domingo, 1 de maio de 2011

Do Livro "A Resistência"

     Porque, à medida que nos relacionamos de forma mais abstrata, vamos nos afastando
do coração das coisas, e uma indiferença metafísica se apossa de nós, enquanto entidades
sem sangue nem nome tomam o poder. Tragicamente, o homem está perdendo o diálogo
com os demais e o reconhecimento do mundo que o rodeia, quando é nele que se dá o
encontro, a possibilidade do amor, os gestos supremos da vida.
     As palavras à mesa, inclusive as discussões ou brigas, parecem substituídas pela visão
hipnótica. A televisão tantaliza, como que nos enfeitiça. Esse efeito entre mágico e maléfico
resulta, penso, do excesso de luz que nos toma com sua intensidade. Inevitável lembrar que
ela produz o mesmo efeito nos insetos,e até nos grandes animais.
     Então não apenas é difícil afastar-se dela, como também perdemos a capacidade de olhar
e ver o cotidiano. Uma rua com árvores enormes, os olhos cândidos no rosto de uma mulher
velha, as nuvens de um entardecer. A floração da acácia em pleno inverno não chama a atenção
de quem não chega sequer a apreciar os jacarandás de Buenos Aires.
     Muitas vezes me espantei ao perceber como enxergamos melhor as paisagens no cinema
do que na realidade.

                                                   
                                                             Ernesto Sabato

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