domingo, 24 de abril de 2011

Pessoa

                        
                           Poema Em Linha Reta

     Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
     Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

     E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco,tantas vezes vil,
     Eu tantas vezes irrespondìvelmente parasita,
     Indescupavelmente sujo,
     Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
     Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
     Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
     Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
     Que tenho sofrido enxovalhos e calado
     Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
     Eu que tenho sido cômico às criadas de hotel,
     Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
     Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
     Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
     Para fora da possibilidade do soco,
     Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
     Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

     Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
     Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
     Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes- na vida...

     Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
     Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
     Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
     Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
     Quem há neste largo mundo que  me confesse que uma vez foi vil?
     Ò príncipes, meus irmãos,

     Arre, estou farto de semideuses!
     Onde é que há gente no mundo?

     Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

     Poderão as mulheres não os terem amado,
     Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
     E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
     Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
     Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
     Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


                                                    Fernando Pessoa
          

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um Pouco de Bernardo Soares

     "Passam com todas as atitudes com que se define a consciência, e não têm
consciência de nada, porque não têm consciência de ter consciência. Uns inteligentes,
outros estúpidos, são todos igualmente estúpidos. Uns velhos, outros jovens, são
da mesma idade. Uns homens, outros mulheres, são do mesmo sexo que não existe." 


     "Essas criaturas tinham todas vendido a alma a um diabo da plebe infernal, avarento
de sordidezas e de relaxamentos. Viviam a intoxicação da vaidade e do ócio, e morriam
molemente, entre coxins de palavras, num amarfanhamento de lacraus de cuspo." 


     "Podres diabos sempre com fome- ou com fome de almoço, ou com fome de
celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e os não conhece,
julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instrutores de Shakespeare." 

Feriado

     Estranha fauna essa que migra, em desespero, para longe do lugar
  em que passa a maior parte da sua vida - matando-se no trajeto - ao
  invés de viver em um lugar do qual não precisem fugir, sempre que tem
  chance.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Máquina do Tempo

     Ando sentindo falta de um raio de sol dos meus nove anos
     Que encontrei refletido em teus olhos, dez anos depois. 
     E de uma brisa que roçou meu rosto aos quatorze,
     E que voltou para brincar em teus cabelos quando te conheci.
     De uma rua que desci, esperançoso, atrás dessa mesma brisa.
     Como a antecipar-te quando, então, ainda nem presença eras.
     Sinto saudades de um dia de chuva em que pensei no futuro,
     E te sabias sorrindo em alguma janela.
     E de uma tarde em que descobri a morte,
     E que no entanto era apenas a janela vazia.    
     De quando o medo não era amargo, os sonhos sem desespero.
     Dos trilhos de um trem nos ombros de meu avô,
     E da minha vó pra sempre.
     (Como isso me lembra de ti).
     De quando pequei pela primeira vez - cinco ave-maria e um pai-nosso -
     E de como soube que tu eras o pão e o vinho.
     Hoje, cego e sem Virgílio, busco-te Beatriz.
     Sabendo-me confinado ao nono círculo  para todo sempre.

Uma Fala

     - Queria não ter conhecido a pureza...mas conheci.
        E agora tudo está perdido !


                                                  Franz Anton Mesmer
                                                       (em um filme)

Uma Frase

     "Numa guerra santa, Deus morre primeiro".

                                         Lida em algum lugar faz tempo.

Uma Música

     "Merry Christmas, Mr. Lawrence" de Ryuichi Sakamoto.
   

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uma Trilha

     Ouça a trilha sonora do filme "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain"
     C'est magnifique.

C'est La Vie: ??????

                                  O SISTEMA/1

     Os funcionários não funcionam.
     Os políticos falam mas não dizem.
     Os votantes votam mas não escolhem.
     Os meios de informação desinformam.
     Os centros de ensino ensinam a ignorar.
     Os juízes condenam as vítimas.
     Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
     Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
     As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
     O dinheiro é mais livre que as pessoas.
     As pessoas estão a serviço das coisas. 

                                                    Eduardo Galeano
                                                   (Livro dos Abraços)  

                             

Pão e Circo

     Há pouco tempo, num jogo de vôlei, uma torcida inteira urrou a homossexualidade de um
jogador do time adversário, tentando desestabilizá-lo.
     Era um jogo importante, se não estou enganado. Decisão de um título, acho.
     Então é lícito que se perca o respeito por um ser humano.
     Que se jogue às favas a dignidade de alguém.
     Que se apele ao mais reles preconceito: Tudo pelo nosso time.
     Já se vem fazendo isso há muito tempo neste país.
     Aqui não se mata por direitos, mas por futebol.
     Não se range os dentes para a  injustiça mas para o adversário.
     "Jornalistas" discutem seriamente um 0x0 medíocre entre jogadores medíocres.
     Enquanto a violência e a falta de ética grassam nos gramados e mal são noticiadas,
homens feitos aguardam ansiosamente por uma copa do mundo.
     E continuarão aguardando ansiosamente, no chão de uma sala de espera de um hospital.
     E ansiosamente sairão a rua para trabalhar, temendo a falta de segurança.
     - Não há dinheiro - dizem.
     O que não há é vergonha na cara - digo eu.
     Como ter esperanças ?
     Antonio Abujamra diz que a esperança matou este país. 
     E não sei se cada povo tem o governo que merece...
     (Embora muitas vezes pareça que sim).
     Panis et Circences...

Um Conto

    "Angústia" de Anton Pavlovitch Tchecov.

Essa mulher...

     Queria já ter dito algo sobre essa mulher, que denunciou e enfrentou os policiais
assassinos no cemitério.
     Mas não encontrava o texto certo que queria anexar(sempre a literatura!).
     Queria dizer-lhe que este tipo de coisa, ultimamente, só tenho visto em mulheres.
     De como nos faltam homens com essa coragem.  
     E que prestei atenção na maneira como ela se expressou:
     Claramente e com firmeza.
     E de como sinto falta disso nos jornalistas.
     E que por causa dela, todos nos tornamos um pouco melhores.
     E que minha família ,desde esse dia , ficou maior.


                                   A Arte e o Tempo

     Quem são meus contemporâneos? - Pergunta-se Juan Gelman.
     Juan diz que às vezes encontra homens que têm cheiro de medo, em Buenos Aires,
em Paris, ou em qualquer lugar, e sente que estes homens não são seus contemporâneos.
     Mas existe um chinês que há milhares de anos escreveu um poema, sobre um pastor
de cabras que está longe, muito longe da mulher amada e mesmo assim pode escutar, no
meio da noite, no meio da neve , o rumor do pente em seus cabelos.
     E lendo esse poema remoto, Juan comprova que sim, que eles sim:
     Que esse poeta, esse pastor e essa mulher são seus contemporâneos.

                                                           
                                                              Eduardo Galeano             
 

terça-feira, 12 de abril de 2011

Nós nos salvaremos pelos afetos.

     " Não devemos desperdiçar a graça dos pequenos momentos de liberdade de que podemos
desfrutar : uma mesa compartilhada com pessoas que amamos, umas criaturas que ampararemos,
uma caminhada entre as árvores, a gratidão de um abraço. Nós nos salvaremos pelos afetos.
O mundo nada pode contra um homem que canta na miséria. "

                                                                   Ernesto Sabato   

domingo, 10 de abril de 2011

Um Programa

  
     Toda vez que eu assisto a este programa "Sr. Brasil" na TV Educativa, me sinto pessoa.

sábado, 9 de abril de 2011

Troféu

     Na atual situação da televisão brasileira, me parece irônico que os "melhores" sejam premiados
com um troféu imprensa.
     Há algo de podre neste reino.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Soube Que Vocês Nada Querem Aprender

Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários.
Seu futuro esta garantido - à sua frente
Iluminado. Seus pais
Cuidaram para que seus pés
Não topassem com nenhuma pedra. Neste caso
Você nada precisa aprender. Assim como é
Pode ficar.

Havendo ainda dificuldade, pois os tempos
Como ouvi dizer são incertos
Você tem seus líderes, que lhe dizem exatamente
O que tem a fazer, para que vocês estejam bem.
Eles leram aqueles que sabem
As verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam.
Onde há tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo.
Sem dúvida, se fosse diferente
Você teria que aprender.

                                         Bertolt Brecht