Acredito que a mesma fala de Maupassant sobre o mistério serve para a inocência, a sensibilidade, o amor e outros tantos "maravilhosos" que faziam parte de nossas vidas quando vivíamos nos bosques, morrendo de medo da noite eterna. E quando ainda éramos todos poetas. Rogo para que não os deixemos morrer.
Transcrevo a seguir excertos de uma crônica deste escritor sobre o qual - à beira de seu túmulo - disse Émile Zola: (...) Nós o compreendíamos porque ele era a clareza, a simplicidade, a medida e a força. Nós o amávamos porque ele tinha a bondade espirituosa, a sátira profunda que, quase por um milagre, não se tornava perversa, a alegria destemida que persiste mesmo sob as lágrimas. Ele pertencia à grande linhagem dos escritores franceses. Teve como predecessores Rabelais, Montaigne, Moliére, La Fontaine, os fortes e lúcidos, aqueles que são a razão e a luz de nossa literatura.
Então se diz: "Não há mais mistérios; todo inexplicado será explicável um dia; o sobrenatural baixa como um lago, que um canal consome; a ciência, a todo momento diminui os limites do maravilhoso".
O maravilhoso! Outrora ele cobria a terra. Era com ele que ensinávamos as crianças; os homens se ajoelhavam diante dele; o ancião, à beira da tumba, arrepiava-se desvairado ante as concepções da ignorância humana.
Mas os homens vieram, os filósofos a frente, depois os sábios, e adentraram com ousadia essa espessa e temida floresta de superstições; eles a cortaram sem cessar, abrindo caminhos para permitir que outros viessem; e depois se puseram a desbravá-la com fúria, produzindo o vazio, a planície, a luz ao redor deste bosque terrível.
A cada dia eles reasseguram suas fileiras e ampliam as fronteiras da ciência; e esta fronteira da ciência é o limite de dois campos. Deste lado, o que era até ontem o não conhecido; do outro, o desconhecido que será conhecido amanhã. Esse resto de floresta é o único espaço deixado ainda para os poetas, para os sonhadores. Pois nós temos sempre uma invencível necessidade de sonhar; nossa antiga raça, acostumada a não compreender, a não indagar, a não saber, feita dos mistérios envolventes, recusa-se à verdade pura e simples. A explicação matemática de suas lendas seculares, de suas poéticas religiões, causa-lhes indignação, como sacrilégio! Ela se agarra a seus fetiches, insulta os lenhadores, apelando desesperadamente aos poetas.
Apressem-se, oh poetas. vocês não tem mais do que um pequeno pedaço de floresta para nos conduzir. Este é de vocês ainda; mas que não se enganem, que não tentem entrar no espaço que acabamos de explorar.
Os poetas respondem: "O maravilhoso é eterno. Que importa a ciência reveladora, já que temos a poesia criadora! Nós somos os inventores de idéias, inventores dos ídolos. Os artífices dos sonhos.
Conduziremos sempre os homens pelo país do maravilhoso, povoado dos seres extraordinários que nossa imaginação cria".
Pois sim! Os homens não lhes seguirão mais. oh poetas.
(...) Acabou-se, acabou-se. As coisas não falam mais, não cantam mais, elas têm suas leis! A fonte murmura simplesmente a quantidade de água que ela despeja.
(...) O grande céu estrelado não nos espanta mais. Conhecemos as fases da vida dos astros, as figuras de seus movimentos, o tempo que necessitam para lançar sua luz.
A noite não nos apavora mais, já não tem nem fantasmas nem espíritos para nós.
E digo eu : É uma pena.
E digo eu : É uma pena.
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